Em meados de Março de 2012, em Brasília,
acontecerá o lançamento conjunto dos mais novos livros dos escritores Regina
Lyra e Cristiano Melo, “Vão da Palavra” e “da Métrica ao Caos, respectivamente.
Este publicado pela Editora Novitas e aquele pela Editora Universitária (UFPB),
ambos em 2011.
São
livros de literatura portuguesa com estilos distintos, uma vez que se trata de
dois poetas que, apesar de residirem no Brasil, moram em cidades distantes, o
Cristiano Melo em Brasília e a Regina Lyra em João Pessoa, da mesma maneira que
os caminhos que os levaram à escrita são únicos, levando às suas verves trilharem
rumos que possuem como matéria prima a palavra. Regina Lyra está em seu sétimo
livro publicado e o Cristiano Melo em seu segundo. Para conhecerem um pouco
mais sobre os autores e suas obras, seguem textos e mídias que dão uma ideia do
que o leitor vai encontrar nestes dos livros atuais, de dois escritores que nos
lembram que há Poesia hoje em dia, que existem autores vivos, produzindo suas
obras e ainda, inspirarem novos autores a investirem em suas obras.
A INTENSA POESIA DE REGINA LYRA
Tanussi Cardoso*
Regina Lyra busca, em seu novo livro de poemas Vão da Palavra, o espaço oco, o vácuo
dos significados entre as palavras: o intervalo entre o silêncio e o barulho;
entre o mínimo e o máximo; entre o supérfluo e o essencial; entre o grandioso e
o simples. Sua poesia transita nesse vazio, nessas reticências, nesse ar
sufocante entre o que inexiste e o que existe; entre o ilusório e o real. Entremeios e Entre_Nós (título de um de
seus livros). A poeta nos ensina a ser no meio desses vãos entrelaçados, diante
de seus nós. Mostra-nos que a palavra resiste e nos consola, emergindo em seu
fantasioso e fantástico mundo de imagens, mistérios, signos e enigmas. Assim,
entre reticências e entrelinhas, no osso debaixo da pele, na raiz que existe
antes da semente e da planta, na fala que vem antes da voz, Regina Lyra nos
ensina que somente a poesia (o poema) pode nos salvar desse enganador mundo em
que vivemos:
Na proeza das saídas,
Vejo nas dobras das entrelinhas,
Para que
caibam reticências,
No dobro do ato
Falho.
(Reticências)
Ou,
no belo poema: Na plataforma vazia, /
Entrelinhas fogem. (O trem se afasta).
Ainda:
Nas entrelinhas da vida / Espinhos são
encontrados / O mistério é transformá-los / Em rosas. (Fraternidade).
Estes, entre tantos títulos.
Afinal, para Regina Lyra, a vida é um vão entre o
passado e o futuro. O presente é um vão,
como observa a poeta no ótimo poema O
barco: Assim como a vida, / Precisa-se voltar a antigas páginas, / Ou virá-las
definitivamente.
Há de se viver o agora. Viver o que a vida nos
oferece. Sem atropelar os desejos. Sem sofrer pelo que aparenta não ser
possível. Viver o que está nas mãos, diante dos olhos, sem alienação ou
passividade. Com sabedoria na hora da decisão, pois entende que a vida é fugaz.
Vejamos o exemplo desse instigante poema:
Encruzilhadas
Levam para
bifurcadas estradas.
(...)
Nessas
eternas escolhas,
Fazer o
quê?
Viver
intensamente
O presente
doado.
(Escolhas)
Porque, para ela, a vida é uma circunstância: Tudo, circunstancial: como a vida.
(Transgressora da palavra).
Logo no primeiro poema do livro, a autora nos
direciona ao seu modo de pensar e fazer poesia: Entre o vão da palavra, / Versos criados com calma. (A criação).
Assim, com inteligência
e sátira, Regina Lyra nos diz do seu jeito de permanecer sem jeito; e nos dá a receita do cozimento das palavras:
o tempero, o sal, o mel, o melhor paladar. E, no tempo certo da fervura, nos
oferece o gosto do prazer:
Quando
escrevo um poema,
Sinto o
sabor das palavras,
Degusto as
imagens,
Faço amor
com os versos.
(...)
Quando
escrevo um poema,
Sei que é
uma aprendizagem.
(Transgressora
da palavra)
Regina Lyra constrói climas descritivos, em versos
afetivos, como se quisesse criar uma atmosfera poética onde pudesse deixar suas
impressões sobre a vida e o mundo. Nesse contexto, poderíamos separar sua obra
em temas recorrentes, dividindo-os em quatro grandes vertentes: 1) O
sensual/sexual, ou seja, a vertente do desejo e do amor (lírico e erótico). 2)
O Tempo, com seu sentido de eternidade. 3) O fazer poético. 4) A perda e a
partida, incessantes sensações que dominam todo o livro.
Apesar da diversidade temática, Vão da Palavra tem unidade; essa
qualidade tão importante, distanciada de tantos poetas. Inúmeros poemas nos
remetem a esses motivos:
Nesse
espaço da existência,
O tempo
carece da razão.
(...)
Encontra-se
abrigo,
No
imaginário perdido.
(Regaço)
Ainda: Eterno
como o tempo / Terno como a voz sussurrante. (Intenso eterno). Cerrados os
olhos / Encontra o sonho partido, / Pássaro querido. / (Por que, afinal?).
Busco meus eus perdidos / Nos oásis do deserto. (Transgressora da palavra). A
partida do imenso, / A falta do grande. (...) / A melancolia de mais uma
partida, / A alegria de mais uma chegada. / Nesta ausência, a presença: /
Constância do tempo. (Brevemente). A voz estaria calada, / Por longos instantes
perdidos. / (Anjo), entre tantos exemplos.
Para Regina Lyra, o amor é uma prisão, onde os
amantes encontram-se, geralmente, algemados.
Vejamos o belo poema Algemas, onde se
ratifica a sensação de perda:
As
lembranças,
Imagens
acalentadas,
Presenças
perdidas.
O amor
instalado
Foi
divertido:
Algemas
lado a lado.
Nada seria
preciso.
Nem mesmo
confissão
Da perda,
da ausência.
Tristeza
por não ter permanecido,
Quando, na
verdade,
Apenas
sexo era querido.
(...)
Dia
seguinte,
Instalado
o logro.
Mas, apesar de quase sempre, logro, para a poeta: o amor é
tudo. Já que o mundo é carregado por ele:
Neste
desvelo,
As ancas
fazem tudo,
Vê-se o
mundo
Suportado
Pelo amor.
(Alcova)
Mesmo aspirando à eternidade do amor, conhece a dor
do tempo e a fragilidade de se estar vivo: Ser
feliz é ter ao lado o / Amor / eterno (Ser feliz).
Ou: Ah,
amor!/ Como é bom ter esperança / Do encontro real, / Total. (Amor querido).
E é falando sobre o amor erótico, que Regina Lyra
obtém, talvez, o melhor momento do livro, num poema digno de ser incluído em
qualquer antologia do gênero:
Enquanto
você brinca, eu abro orquídeas.
Levo meu
cheiro de fêmea no cio.
Abro as
pétalas e as coxas,
Em
movimento contínuo.
(...)
Enquanto
você brinca,
Eu abro
orquídeas
Para
Você.
(Brincando
de fazer amor)
A eternidade (o sentido de permanência e a
intensidade emotiva das coisas e do Tempo) encontra-se em muitos poemas do
livro, sendo, também, tema caro à autora:
Na
intensidade do tempo
Passou-se o
momento sem preço.
Antes que
se tornasse avesso,
Travestiu-se
de eternidade.
(...)
No
instante intenso,
A história
é contada.
(Intenso
eterno)
Ou: Situação
perpetuada / Pela intensidade do ontem. (Dilacerada). Intenso pensamento /
Permeia a navegação do tempo. (Pensamento). E, assim, outros poemas.
Com o grande mérito de nunca ser prolixa, Regina
Lyra constrói uma poesia etérea, difícil de ser catalogada ou classificada.
Simples e, ao mesmo tempo, profunda. Em sua quase totalidade, são poemas pequenos,
construídos em versos curtos; trabalhados em elipses, silepses, cortes e nós. Como se pensamentos soltos,
embaralhados, causando certa estranheza em seu total entendimento; unidos,
tantas vezes, pelo silêncio; que, ao leitor, cabe preencher.
Esse clima
cria um estilo próprio, único. Como se a poeta, de forma proposital, desejasse
causar certo desconforto na leitura; com versos que, muitas vezes, parecem
cifrados, fora de contexto, desconectados uns dos outros; principalmente, nos
términos de alguns poemas. O que a autora deseja com essas construções é
dessacralizar o que possa haver de peso ou drama nos versos que antecedem os
seus finais. Regina Lyra foge do final-padrão, com versos em crescendo, ou com versos que coroem o encadeamento lógico do poema.
E essa característica é uma singularidade de sua poesia. Ela é avessa ao
barulho, ao poema-ópera. Seus poemas se interrompem como se interrompe uma
conversa com amigos, quando uma fala se coloca e se interpenetra na outra. No vão da palavra. Sem perguntas, porque há
sempre uma lacuna entre o que se diz e o que realmente se quer dizer - aqui
lembrando o Fingidor, de Pessoa. Regina Lyra brinca de esconde-esconde com o
leitor, conversa com ele, não o assusta. Quer tocá-lo com as palavras mais
simples, não com o grito. Prefere o jeito sincero e sensível. E consegue:
A noite
foi carregada de lembranças,
Crenças.
Nada de
preocupações vãs.
A amizade
é eterna
Confiança
misteriosa.
(Noite
inesquecível)
Ou: Belo
encanto / Pelos caminhos do poema, / Do qual guardo o tema. / (...) / Triste
momento / Da foice escapa, / Mas não abafa o salto. (Caminhos poéticos).
Apenas para citar alguns.
Não há nada de falso intelectualismo e
pseudoerudição nessa sua forma de versejar. A poeta não se permite. Nada de
academicismos ou afetação. Sua poesia é extremamente moderna sem, entretanto,
retirar uma vírgula sequer de suas raízes clássicas. Isso a torna atraente,
inteligente e deliciosamente lírica. Sem preciosismos formais, seus recursos
estéticos e técnicos eliminam gorduras, buscam a concisão. Não há derramamentos
de angústias, dores de amores ou de infância; enfim, qualquer tipo de dores em
clichês. Ela não pretende ser visceral, tediosamente sofrida. Ela nos fala sem
estridências. Prefere ser plácida, pausada, buscando a palavra precisa e justa;
serena em suas aflições. Menos tango e mais soul.
Uma dicção que não soa áspera, agressiva; antes, seus versos - mesmo quando
contundentes - soam aveludados, delicados, musicais. Num ritmo cool, jazz.
Em sua poesia - extremamente feminina - o fazer
poético consegue equilibrar, somar lirismo e vida; quase sempre, com grande
felicidade. Obtém, portanto, uma poesia profundamente humana. E o faz com
categoria, emoção e razão.
Assim, Regina Lyra não foge de suas tradições, de suas
raízes literárias e poéticas (suas várias leituras e vozes). E imprime em seu
trabalho um encantamento ilusório, um estranhamento ao que já foi dito e lido.
Nota-se um afastamento crítico de certa literatura oficial. Há um
aprofundamento dos versos; quase sussurros... Coloquiais, feitos de silêncios.
Aspecto que confere à sua poesia uma vitalidade expressiva, que a torna
singular na literatura brasileira. Ela alcança o que poucos alcançam: uma
poesia reflexiva e coerente. Uma poesia comovente!
Outra característica que podemos encontrar nos
poemas da autora é que muitos deles contam
- mais do que sentem - sobre as emoções. Como se a poeta não estivesse
dentro deles, não falasse de si mesma, se abrigasse numa outra persona. Inverte ou oculta o eu-lírico,
o poeta-autor (a voz do poema). Prefere a distância, a ausência medida. Vê tudo
com o olhar entusiasmado de um observador, de um fotógrafo, de um cineasta.
Godard. Nouvelle vague. Ao mesmo
tempo, na cena e fora dela.
Com os versos transformados em vãos entre a linguagem e a ideia do poema, Regina Lyra radicaliza a
sua estrutura. Mistura as vozes poéticas (eu-lírico/poeta-autor) ou quebra,
abruptamente, o andamento (cadência, ritmo) do poema. Os versos fluem
harmonicamente, mas por vezes são quebrados por dissonâncias, com ritmos
diferenciados. São sonhos ou realidades, vividos ou não, pela autora. Poeta que
ora se esconde, ora se mostra; mas sempre de maneira sutil, plena de
subterfúgios. Vejamos:
Talvez tenham chegado
No momento certo,
Para descortinar
O que estava encoberto.
(...)
Apartados de mim,
Fui ao fim!
(Perdição)
Ou: Nada me
faria mais feliz / Do que romper laços, / Mesmo em sombras de traças, /
Atracadas em cais fantasma. / (...) / Talvez na fé de um momento qualquer, /
Libertar-se-á. / (Nada faria), e vários outros poemas.
Regina Lyra, com sua característica de (re)novar o seu próprio verso, sem
deixá-lo cristalizar; com sua solução de movimento,
atira-se nos poemas, sem medo de errar. A poeta - consciente e humildemente -
prefere agir, fazer, ousar; ao invés de ver seu trabalho e a si mesma
estagnados. Leiamos o ótimo poema Medo:
Não ter
medo.
Exorcizar
os temores.
Agradecer
a ajuda
Em tudo
- Até no
erro.
Outra especificidade formal que podemos encontrar
nos poemas de Regina Lyra é a distribuição espacial dos versos nas páginas. Em
particular, o recurso da verticalização das palavras, existente na grande
maioria dos poemas inseridos no livro. Um recurso estilístico que, nem sempre,
cumpre com a aparente intenção de enfatizar a força da palavra dentro do poema.
Trata-se de uma técnica anteriormente muito empregada pelos poetas das Gerações
60/70, por influência dos concretistas. Utilizada à exaustão, pode correr o
risco de cair no vazio, numa espécie de recurso do estilo pelo estilo. A leitura minuciosa desses poemas e da função
da verticalidade na poesia da autora permite ao leitor extrair elementos para
entender (para efeito de juízo crítico) se essa preocupação está enraizada na
intenção da poeta ou se pode qualificar-se, somente, de vício literário ou de
moda poética. Porém, se analisarmos com isenção a característica da função da
verticalidade na poesia de Regina Lyra, teremos a certeza de que ela exprime a
sua dimensão interior. Assim, nada se encontra ali por acaso, nada é feito de
maneira gratuita. Desse modo, a insistência da autora na utilização das
palavras em vertical tem a exata função de enfatizar uma ideia, que dá lógica e
suporte a um pensamento poético.
Para finalizar, um pequeno exemplo, não à toa
intitulado Poemas. O texto salienta o
que me parece ser o atual estágio de seu trabalho: uma pérola lapidada.
Em cada
bom poema que leio,
Encontro
pérolas aninhadas.
Desconfio
que a poesia
Seja uma
pérola lapidada.
Acreditem: Regina Lyra, em seu livro Vão da Palavra, lê o mundo e o devolve a
nós, seus leitores atentos, refeito em beleza.
*Tanussi Cardoso
Poeta e Jornalista.
Presidente do Sindicato dos
Escritores do Estado do Rio de Janeiro.
PREFÁCIO DO LIVRO DE CRISTIANO MELO *
Há mais ou menos três anos, o Cristiano Melo enviou
um e-mail perguntando o que eu pensava sobre ele enveredar pela escrita de
sonetos. Na hora eu disse que escrever sonetos era extremamente difícil, pois
envolvia matemática (métrica), conteúdo e emoção. Contei para o Cris que eu era
apaixonada por sonetos, principalmente os de Augusto dos Anjos, e que fazia
algum tempo tentava escrever, mas esbarrava na matemática. Cearense porreta que
é, ele não desistiu e disse que escreveria sonetos em seu próximo livro. David
e eu acreditamos no projeto, principalmente pelo desafio e a beleza que sonetos
perfeitos despertam.
No meio desse ano, Cris terminou o livro e teve a
ideia de misturar sonetos e poesias livres em versos brancos, rimados ou
somente sentidos. “Da Métrica ao Caos” são dois livros em um, unidos por suas
duas capas; a primeira parte do livro com poesias e sonetos belíssimos,
complementado na segunda metade por poesias variadas em assuntos e estilos,
resultando em um “produto final” que é tanto elegante quanto arrojado. Você não
terá coragem de abandonar a leitura de “Da métrica ao caos” até chegar ao
final, viciante que se tornou.
Cris, que já tinha a mão certeira para escrever,
mirou no alvo, arriscou e trabalhou muito para concluir seu
novo livro. Foram quase três anos, de revisão, contagem de sílabas…
Da matemática-emoção. O resultado está aí, em um livro bem realizado, que
sempre será um brinde à literatura!
*Letícia Losekann Coelho
Editora, escritora e pedagoga.
Olá meu querido Cris,
ResponderExcluirFicou ótimo. Um beijo carinhoso e vamos que vamos. Viva a Poesia.
Beijos,
Regina
Que bom que gostaste, parceira de lançamento! :)
ResponderExcluirEm Fevereiro já terei tudo pronto e quando chegar mais perto, combinemos a melhor data de Março.
Beijos