quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Uma vida mediana




Ao nascer era homem:

Pra descontentamento do pai,

Pra indiferença da mãe.


Aos cinco anos de idade jogava xadrez.

Era orador da turma da alfabetização,

Encenava peças de teatro.


Na adolescencia pendia o primeiro beijo:

Pra descontentamento do pai,

Pra indiferença da mãe.


Aos trinta anos de identidade o mundo lhe era acessível.

Era um dândi crítico baudeleriano,

Amigos e inimigos o rondavam feito moscas ou fadas.


Na maturidade era independente:

Pra descontentamento do pai,

Pra angústia da mãe.


Aos quarenta anos de alteridade a carreira lhe tinha chegado.

Anestesiado na vida que julgava sua,

Sem um afeto real ao seu lado.


Na terceira idade era amigo do sofá:

Pra o jazigo do pai,

Pra loucura da mãe.


A vida mediana o levou ao fim.

Corta a carne, fundo, pra lavar a alma,

Supurada, necrosada desde o nascimento.


E mais um, de vida limítrofe no meio,

Em meio aos seus pares disformes,

Não sabem ascender, e sim, cadente cair em si.


Qual o sentido da vida?

Responde o homem mediano em agonia:

Não tem sentido!


Cristiano Melo, 01 de Outubro de 2009.

Se...

Se, em alguma parte da vida que adentra o caminho,

Encontrar perfumado com pétalas de jasmim,

Corajoso, enfrentar o meu lado escuro devagarinho,

Vetusto, olhar-me pela janela da alma em mim.


Se, em guarida, em guarda, quebrar o pergaminho

Aleijado, compreender-lhe sua parte hostil de mim

Desafogado, lançar-me na direção de um bom vinho

Monstruoso, o peito, a face, o queixume de sim.


Faca corta a artéria da matéria no gargalo

Da lâmpada do genioso gênio teimoso

Refestelado com o desejo não cumprido.


Afoga a parca na poça d’água do falo,

Enforca a codorna no estrumo gostoso,

Apunhala o porco ditoso no seu grito.


Se, em algum momento, este tormento cede, cai.

Vai!



Cristiano Melo, 30 de Setembro de 2009.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Alteridade


O tesouro da idade das referências,
O que seria da ideologia sem a teoria
Ou da identidade sem o seu idioleto!

Espelhar, refletir, autenticar a fria
Afinal é o acaso do ocaso dileto
Ou o ocaso do acaso de dependências?

Ver-se no outro, atado ao fato gutural
Desgrega o verbo em adaga letal
Donde se vem o corte do univitelino.
Soberba falácia fálica grafa tino.

Sim, ou não, moeda de uma face marsupial
O talvez encerra, descerra a vista libertino
Um e outro, de frente e de costas enfrentam dorsal
A mente da alteridade desfeita pelo Destino.

Cristiano Melo, 29 de Setembro de 2009.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O elefante e a dália

Sim, não se sabia o porquê daquilo,

O elefante se escondia atrás de uma dália,

Poder-se-ia dizer que a tromba escondia a genitália,

Talvez, quisesse no seu subconsciente, amostrar o escondido.


Quem passasse por ali veria uma fantasia,

Um ser visível, intentando a invisibilidade.

Desconsertados, não olhavam e o elefante sorria,

Não, ninguém sabe de meu segredo à mostra e finalidade.


Tempo ecoa brisa nas pétalas

Elefante amedrontado

Folhas desonestas.


A tromba, a flor e o segredo ditado

Atado da cegueira de bestas,

Dália despetala de fato.



Cristiano Melo, 24 de Setembro de 2009.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

A partida








Sim, sorria para aquele doente,

Levava lata de cerveja, gelada

Os dedos salientes na fronte

A vã recompensa aguardada.


Ébrio, passeava a mão gordurosa

O óleo da fritura do domingo

Na carne da filha dele, gostosa...

Fartas carnes fritas, inimigo.


Não, queria ir embora dali

Criança que era, pura e impoluta

Sujada pelo doente javali.


Talvez, tenha chorado, puta

Quando saltou da cobertura,

E a carne escorria o fel, jaz ali.



Cristiano Melo, 22 de Setembro de 2009.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

As Letras

A letra A, orgulhosa por ser um artigo definido que ao indicar a si mesma, vira uma poesia concreta, dialogava com outra letra que se orgulha por também gerar a mesma situação: O artigo O.

-Tenho certeza que sou mais utilizada, pois defino os substantivos de gênero feminino.

-De que adianta ser mais utilizada se eu defino os substantivos masculinos e, assim, tenho mais poder...

-Poder? Ora, faça-me o favor, isso é machismo...

-Machismo? Não! Sou realista e depois machista é você!

-Você quem disse determinar gêneros primeiro que eu...

-Ah que ladainha mais sem futuro, sou a A, começo do alfabeto e você é só o O!

-Por que sou só o O?

-Porque tá lá no meio do alfabeto...

-Mas nós dois juntos, somos os artigos definidos, você não é melhor que eu.

-Bem, podemos discutir quem é mais importante se quiser, e eu lhe provo.

-Ai que preguiça!

-É sempre assim, chamo para discutir e você foge...

-Não sou casado com você minha filha, deixa de ser chata.

-Casados? Não mesmo. Sou simplesmente melhor que você.

-Ai ai... Como é que uma letra se sente melhor que outra?

-Peraí, não traga os artigos indefinidos pra essa conversa.

-?

-Não sou “uma” letra, sou “A” letra.

-Desisto, sabe... Você é muito egocêntrica, vai lá pro começo do alfabeto vai, que é que tá fazendo por aqui no meio?

-Volto já, só quero que me dê razão?

-Dar-lhe razão? Você é chata, egocêntrica e louca...

-Sou não, ó!

-E não leva meu nome em vão!

-Mas...

-Volte já pro seu canto, o escritor já vai começar a nos agrupar.

-Quem disse que é um escritor e não uma escritora?

-Ai ai, honestamente, você já me tirou do sério, se não fosse do gênero feminino...

-Que iria fazer? Bater-me? Seu gordinho... Sua bolinha!

-Ora, não me provoque, sua pernuda.

-É tenho pernas mesmo e posso lhe esmagar.

-Chega, vou rolar em cima de você.

-Vem, seu gordo!

E a guerra dos sexos entre as letras A e O continuava, e das suas brigas violentas, surgiram manifestações de todo o alfabeto que até então estavam calados e pasmos, houve quem concordasse com A ou com O, e o alfabeto todo começou a brigar. Desta briga surge então mais um escrito, uma estória, que foi contada e recontada ao longo de eras, sobre as letras que iniciaram uma batalha, mas findaram em paz, talhadas num papel, conjugadas com as outras letras e acabou por inspirar um conto ao escritor que a tudo presenciou, na leitura quase audível desta confusão, no seu hábito de ler.

Nesse instante, sua mulher acordou e começou a argumentar que ele não fazia nada além de ler e escrever e que viajava muito no mundo das letras, que precisavam ser mais objetivos para poder viver no mundo real. Começou então uma nova discussão. E a guerra foi ouvida no mundo das letras, saíram então os mediadores, imbuídos de trazer paz a esta estória entre os mundos, literário e humano, as letras F, I e M.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Sujeito

O andar apressado galgando metros,
A moça na janela arregaça dentes amarelados,
O cachorro late enforcado na coleira,
O sujeito anda, caminha numa quase carreira.

Não conhece o destino, aonde chegar,
Observa a aquarela de vida ao seu redor,
Não para, continua, sem saber por temor,
Percebe, apenas, que algo virá.

Objetos diretos lhe acenam alegres,
Os indiretos lhe olham enviesado,
Onde andará o verbo entrementes?

A moça fecha a janela em estampido,
O cachorro urina nas sementes,
O sujeito continua calado!

Cristiano Melo, 14 de Setembro de 2009.

domingo, 13 de setembro de 2009

Cuspido

Entre o dente e o lábio inferior,
Há a saliva vinda da parótida.
Misturada com as demais glândulas,
Forma-se o cuspe protetor.

O mesmo cuspe que demonstra desgosto,
Escárnio, repulsa, vergonha e horror,
É o mesmo que lubrifica partes do amor,
Carnal, vá lá, mas não sem pudor deposto.

Cuspa
Cuspa
Cuspa...

Cospe
Cospe
Cospe...

Agora, engole o cuspe salivado,
Escarrado da fétida palavra
No bruto rosto por ti untado.

Glossite carniça a puta letra,
Engolfada úvula detido
Palato mole, sim, mole enfrenta.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Sonho e Realidade


O Sol fustigava o rosto do homem nu que respirava, na cama, preservativos usados, calcinhas rasgadas, restos de uma noitada. Ao tocar do telefone, pela sétima vez, o homem de ressaca procurava o aparelho por entre os cobertores, sem abrir os olhos, “tenho algo sério para lhe contar”, falava uma voz embargada do outro lado, que o homem reconhecera ser de sua irmã, “nosso pai faleceu”, e, no silêncio do minuto que se passou, que pareceram anos, o homem não respondeu, desligou o telefone e voltou a dormir e sonhou. Sonhou que, na sua infância, o pai o espancava, era alcoólatra e violento, motivo que o levou a mudar de cidade e ter a vida mundana que encenava: sem compromisso, promíscua, alcoólatra e deprimido. Acordou com um nó na garganta, de tanto cigarro da noite anterior e do sonho real que tivera. A cabeça doía tanto do álcool entornado quanto da notícia, não conseguia refletir, o quarto e a cama giravam e subiam e desciam como numa montanha-russa, vomitou. No vômito, pedaços do resto dos petiscos e da vida que levara e levava. Não parava de vomitar, quando o telefone tocou de novo, dessa vez era a voz de um homem “estou lhe esperando”, era a voz de seu pai, jogou na parede o aparelho e parou de vomitar, olhou pra cabeceira da cama, garrafas vazias, carreiras de cocaína e cartelas de psicotrópicos. Sim, o homem teve certeza, era uma “viagem torta”. Ao se levantar viu o seu corpo, e o seu pai que lhe estendia a mão o aguardava.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Esculacho e Simpatia: E-mail aos senadores

Esculacho e Simpatia: E-mail aos senadores: "©Marcos Pontes
by Marcos Pontes"

Caros leitores e amigos, a mordaça anda solta nos meios de comunicação, bom fazer algo e não apenas reclamar ou assistir o circo "não pegar fogo" ou aplaudir show pirotecnico francobrasileiro... A receita de circo para deixar o povo inerte é mais antiga que construir o Coliseu. Este espaço é dedicado a arte e observar o que se acontece no cenário político de nossa nação, sem fazer nada é não fazer arte. Façamos uso de nossos talentos então. VAMOS FAZER ARTE! NÃO À FALTA DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO!!!!
Leiam o texto do link do Marcos Pontes e tomem suas posições.

Abraços Abertos

Cristiano Melo

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Fobia

O desejo vence o cansaço!
Entrementes, o verme, entrevado, continua
Na carne querente de avanço.

O cansaço vence o desejo!
Sobretudo, a carne, passiva e seminua
Deixa-se ao verme em festejo.

Dançar sob a Lua,
Nu em pelo
Só mais um apelo
Sem voz nenhuma.

Correr em pleno dia
Escroto solto balança
Nudez que não avança
Leva preso sociofobia.

Quer descansar e desejar
Talvez agora consiga
No leito atado, drogado,
Apartado do verme que lhe comia.

Cristiano Melo, 03 de Setembro de 2009.
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