quinta-feira, 30 de setembro de 2010

"Normose"

DEDICADO A UMA CONVERSA COM O AMIGO VICTOR CALAÇA


Estendo a mão ao vazio
Nada!
Obviedades mascaradas
De uma esperança que castra.

Verbos na fala flertam
Amores dialéticos diluindo
Possibilidades
Nada!

Samba da “normose”
Alienante, inclusiva
Da sociedade farta,
Tudo!

Loucura e demência brotam
Ideias em metamorfose,
Obviedades do nada e
Tudo!

Arranca teus olhos
Ser normal,
Habitante da gruta
Seguro em nada!

Corta tua língua
“Normótico”, ao sair da fábrica.
Industrialismo de gente
Que diz tudo!

Esmaga teus ouvidos
Oh ser iludido.
Das frases dos loucos
Não te dizem nada!

Esfola tua pele
Escárnio da minoria.
Majoritário gradua
A realidade, bosta!

O sabor de perceber a dicotomia humana
Entre o nada e o tudo, é amargo e doce.
Onde estás? De um lado ao outro, barata kafkiana?
Busque mais de perto a chinela segura pelo teu pai.

Humanidade afora, pusilânimes estóicos
Retratam a eterna débil procura pelo homem
Que te ensinaria a ser um, enquanto deixas de ser
Berçário de totalitarismos, guerras e falos.

Prateleira - amores solúveis





REPUBLICAÇÃO


Devastado na prateleira de um açougue
A formação romântica distorce a realidade
Busca frenética pra aliviar a solidão
Exposto na boutique de carnes inválidas.

Não se pode ser feliz sem estar entregue
Não se vive solitário, pura vaidade
Sentimentos torpes que não passam pelo coração
E a bunda na janela pra mãos sórdidas.

Inadequado e assustado
Dir-se-ia alma penada

Hipócrita e desleixado
Falar-se-ia carne condenada

Escolhas diversas,
Inúmeras oportunidades,
Humano engarrafado
Pasteurizado na prateleira.

Romper com o marasmo aprendido
De se apaixonar para viver
Pois estar só é o mesmo que morto
Garantir-se-ia um lampejo de consciência.

Escolhido e encolhido
Feliz e fodido...

Ou se enxerga como ser que é,
Ou pereça como carne na prateleira
Coberta de moscas esfomeadas
E o romantismo não lhe salva a alma.

Seja,
Esteja,
Só.

O coração clama
Entregue-se a ele,
Pois ninguém lhe leva flores
Além de você mesmo!
Os românticos são estéreis de sentimento.


Cristiano Melo, 14 de Maio de 2009.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Francisca


Fotografia de Alex Melo, todos os direitos reservados




Desde que Francisca saíra, um quê de impertinente indagação, marcava o rosto de Oswaldo. “Tudo bem! Ela saiu como todas as manhãs, me beijou na fronte, sorriu, e foi trabalhar”, resmungava justificando a si para tentar dissipar os questionamentos que vinham. “Mas ela saiu estranha. Tinha um brilho diferente no olhar. Deve estar trepando com alguém neste exato momento”, burilava a criativa mente de Oswaldo.

A campainha da porta o removeu daquele dilema, era alguém que pedia esmolas, “perdoe, tenho não”, respondeu batendo a porta na cara do sujeito sem pensar. Mas voltou a pensar logo em seguida, “peraí, este cara pedindo esmolas estava bem vestido, com roupas novas, barba feita, cabelo penteado. Não, não pode ser! Será?”. A dúvida agora era se o esmoléu era o amante de Chica, sangrando o lábio inferior com uma rangida de dentes, bateu na parede “porra, que merda, dando prum cara, e ele tem a audácia de vir me ver, saber como é a concorrência dele, isso é demais”, certificava sua incerteza com violência. “Ele me paga, ah se paga!”, falava consigo pelos pensamentos durante horas, estava desempregado e não havia nada para fazer além de conversar com ele próprio.

O som agudo do toque da campainha rompe o silêncio mais uma vez, e Oswaldo pega uma faca para ter à porta, atrás das costas para surpreender o infeliz amante de sua amarga sorte. “Pois não”, perguntava para o vazio, ninguém parado do lado de fora da casa de Francisca Passos, ele ainda saiu para se certificar que o amante dela não o espreitava de perto. Ninguém. “Ah, não dá, porra, agora tá de sacanagem comigo? Pois que venha com suas brincadeiras, logo logo acerto seu peito com minha faca”, alucinava Oswaldo. Desde que fora despejado de seu apartamento alugado, por uma oficiala de justiça, devido ao não pagamento ao locador, morava com sua Chica, sem nenhum problema para ele, pois logo iria estar empregado e recompensaria seu amor por aquela fina ajuda.

Já passava do meio-dia e ele comera o que tinha na geladeira de Francisca. Cochilou na rede perto da porta da casa, com a faca no chão, não largara dela o dia todo, aguardando a porta se abrir para desferir seu planejado golpe, fosse no amante ou em Chica, tanto fazia, melhor seria nos dois, foi seu último pensamento antes de pregar os olhos embalando a rede com seus pés na parede.

Acordou com o ruído de chaves na porta, era ela, pensou Oswaldo quando se levantava e já tinha a faca em sua mão direita. “Quem é você?”, foi a voz de Francisca Passos que perguntava ao ver aquele estranho em pé ao lado da rede segurando uma faca. “O que o senhor quer? O que quer que seja poderemos conversar com calma, abaixa essa faca?!”, com medo em sua voz tentava dissuadir o homem a soltar a arma, enquanto pensava se tratar de um assalto. “Sou tão compreensivo com você, te trato como uma dama e ainda tem a coragem de me perguntar quem eu sou? Você e seu amante estão querendo me deixar louco. Mas não sou e nem ficarei louco por causa de vocês!”, bradou Oswaldo ao se aproximar lentamente de sua presa, como um verdadeiro felino. Francisca Passos, oficiala de justiça que cumprira o mandado de despejo de Oswaldo o reconhecera por cima de seu terror “A-a-ah, desculpa, sei s-s-sim quem é o senhor, é que sou avoada mesmo, Oswaldo não é isso?”, balbuciou quase sem abrir a boca, ficando confuso até mesmo para ele entender o que ela dissera, enquanto se dirigia à porta para tentar fugir. Entretanto, o leão já avançava sobre sua gazela, e, ao desferir dez golpes de faca, ensanguentado gritava: “o próximo vai ser aquele tal de Locador, seu amante!”.

Morta, com laranjas ao chão misturadas ao seu sangue, o vento que soprava levando o cheiro de morte aos vizinhos e Oswaldo que jogara a faca sai pela porta limpando as mãos e seu rosto com um pano indo em direção ao metrô, “ainda dá tempo de pegar aquele sujeito, ah sim, vai dar sim!”.





domingo, 26 de setembro de 2010

Anunciada







Homenagem à matriarca Oliveira de Melo pelo seu aniversário dia 25 de setembro




Menina da praia de Iracema,
Cabelos dourados,
Olhos cor de caju
Sua beleza realça a alma dourada.

Menina que se fez mulher
Casou e teve filhos
Conviveu com a ditadura
Graduou-se em bioquímica.

Menina da bela Fortaleza
O sorriso fácil e farto
Alegra sua beleza.

Humana e solidária com extrato
Galgou filhos de toda natureza
Hoje é avó e mãe, mulher e tato.

Maria Anunciada Oliveira de Melo,
Este é o seu nome.
Também pode ser chamada
Menina dos olhos de mel.

sábado, 25 de setembro de 2010

A Varanda




Poema dedicado ao meu irmão Alex Melo


Rede na varanda a lembrar casarios
A flor da trepadeira cheira forte
Suspiros ao entardecer sobre o pote
De cerâmica com dálias em trios.

O violino rasga metálico o ar
Vizinha professora de música
Afagos inebriantes de calar
Notas melodiosas em dica.

Dedão do pé na sacada
Embala a rede cheirosa
De belas flores em florada.

Encantado, estrelas em prosa
Paz na alma embriagada
Na varanda mágica e formosa.


Cristiano Melo, 25 de setembro de 2010. 

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

O Ser pelo Ter


Fotografia de Alex Melo, todos os direitos reservados



O ser pelo ter
Não se busca mais
A beleza do ser

Quer-se a fantasia do ter
A passageira e momentânea
Aliança forjada

Tenho, logo existo
Em meio a bundas e peitos
De plástico elástico

Músculos, abdomens, coxas
Dinheiro, carro, apartamento
Aparência distorcida que serve

Sem qualquer remorso
Troca-se o ser pelo ter
Vaidades de liquidificador

Insanidades efêmeras em crisálidas
Prontas para mudar com a moda
O descartável em voga

Corra o risco de ser
E será expurgado do meio
Ambiente social apodrecido

Seja decente, honesto, divertido
E ficará sorrindo sozinho
Enquanto a boca de dentes falsos te cospe

Seja franco, aberto, idiossincrásico
E conhecerá o ostracismo
Gruta, jaula que se torna sua casa

Saudades do bicho homem
Que já foi
E hoje não existe


Cristiano Melo, 24 de setembro de 2010

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Cortejo

photo by Alex Melo - direitos reservados

Citar belezas ditas em cortejo
Fixar olhares desencontrados
Dedicar poemas adocicados
Suspirar queimadas de sertanejo.

Afagar a mão na face crespa
Beijar a boca com a boca tesa
Seduzir gotas de suor em festa
Reunir o doce com a leveza honesta.

Seria fácil tal feitio
Em teu seio mais bravio
Se este a que vos estende o verbo

Não achasse tudo isto soberbo.
O cortejo natural há de ser plantio
Sem rosas falsas num caminho deserto.

Cristiano Melo, 22 de setembro de 2010.

domingo, 19 de setembro de 2010

Esferas

Sou o reflexo do espelho
Do avesso te vejo
Ao olhar para mim mesmo

Dói nascer de novo
Mais que morrer

Existo na imagem de mim
Teus olhos embaçados
Quem conta a estória?

Moi o ventre
Circuito fechado

Deixo o palco demasiado depressa
Escorrendo fantasias e sandálias
Corro até não parar.

Cristiano Melo, 19 de setembro de 2010

sábado, 18 de setembro de 2010

Misael

Houve um tempo em que acreditava em permanências.
Estava acostumado com o seu sorriso e inteligência em meu dia.
As ricas conversas regadas a café, vinho e transparências
Alegrava a mesmice humana aquartelada na ignorância sombria.

Houve um tempo, sim houve, e agora há outro:
Amadurecer com a impermanência e conhecer o afeto
De fato, efetivo, no qual queremos a alegria de dentro
De fora, ao redor, da partida pra vida de um amigo dileto.

Saber de sua felicidade é ficar alegre.
Ter saudade é confirmar o que se sabia,
O tempo e a distância são apenas uma lebre.

Corre veloz, enquanto a vida torna-se sábia
A vagareza relativa do ser não traz febre
E sim uma brisa suave de tenra alegria.

Voa meu querido amigo!

Cristiano Melo, 18 de setembro de 2010.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Garota W3

Poema inspirado em Brasília e na musa B. M. M.
A garota na W3 Sul rebolava,
Com seu terninho preto básico,
Scarpin vermelho contrastava,
Em meio ao passeio público.

De súbito, não acreditei, afobado
Com olhos castanhos, ela me olhava
No seu rebolado mais afetado,
Aliviava a seca que a pele rachava.

Na altura da 9, estávamos quase juntos,
Os olhares parados como de defuntos,
Eu de jeans, tênis e camiseta,
Ela executiva, eu um pessimista.

Quando, debaixo da marquise,
Os carros soltando fumaça,
Árvores no meio da avenida,
Paramos e ela abriu a boca:

-O senhor está com cocô de pombo na cabeça!

Identidade

Nariz refinado e simétrico,
Olhos modificados em cor,
Dentes brancos alinhados sem trinco,
Orelhas coladas à cabeça como for.

Cinturas afinadas sem gordura,
Seios e tórax com plástico firme,
Músculos hipertrofiados em moldura,
Pelos removidos da pele íngreme.

Cabelos pintados, faces repuxadas,
Comprimidos de mágicas promessas,
Homens e mulheres alterados nas fachadas.

Vísceras e metabolismos levados a quimeras
Identidades em série fabricadas,
Assim, é inserido o ser humano em sua era.

E a individualidade?
Sem identidade
Com idade
Cidade
Laje! 

Cristiano Melo, 17 de setembro de 2010.
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