terça-feira, 28 de abril de 2009

As Musas


Este é um projeto de roteiro para teatro adaptado a um conto.
ISABEL

Isabel vacila um instante, morde seu lábio superior e quase o fere, enquanto torna a desligar o telefone-sem-fio. Olha para o mesmo, inerte, mudo em suas mãos fortes e um pouco grandes para uma mulher, e vê escrito “Panasonic”, onde diabos estava com a cabeça quando comprara aquilo, um símbolo consumista para alguém tão idealista quanto ela, argumenta consigo mesma, e, desvia, pelo menos naquele momento, do que esgarça seu peito esquerdo como numa cirurgia cardíaca sem anestesia qualquer. Afasta-se do aparelho e acende um cigarro. Traga fundo, fumaça junto com suspiro de alguém desiludido. Bate a não-cinza no cinzeiro de louça portuguesa, lembrança da última viagem que fizera com Luiz, seu ex-marido. Ah, Luiz, se pelo menos pudesse voltar no tempo... Reflete melancólica. E a porra do telefone que não toca! Volta ao mesmo conflito do botão “on” e “off” de seu Panasonic-sem-fio-com-secretária-eletrônica-de-última-geração. Ligo ou não ligo, pensa ao acender mais um cigarro e pega novamente o telefone, coloca a antena entre os dentes e morde como para se decidir através do flagelo da coisa. Franze a testa, já com vincos de uma mulher de quarenta anos, joga o cigarro ainda inteiro pela janela de seu apartamento, para quê ser educada nesse momento em que Marcela não lhe quer mais? Queria era ligar para falar o que ainda não havia sido dito! Para ouvir a voz de Marcela uma última vez que fosse... Nesse instante, pára seu pensamento, quando o interfone quebra ruidoso o silêncio do apartamento... Coração palpitante, e, a voz de um desconhecido pergunta se quer gás ou água... Não era ela. Pára com o interfone nas mãos e lembra. Como Marcela é linda, atraente, inteligente, agradável, gostosa, apaixonante. Recorda os tempos em que saiam juntas e tudo parecia ir bem, muito bem. Como Isabel adorava Marcela! E esta sempre reticente sugeria para aquela ir com calma, que a vida tinha lhe ensinado que não era assim que se fazia, que ela não estava apaixonada, mas que a achava muito legal e gostava de sair com ela. Isabel editava a parte “boa” da fala de Marcela e a tinha como um amor encontrado através de muito esforço. Muita sorte a gente se encontrar, Isabel lembrava. Afinal, ninguém quer nada sério hoje em dia e eu estou apaixonada, insistia. Não, não quero gás nem água! Quero a Marcela, batendo o interfone com força na parede de sua cozinha. Volta ao telefone. Não liga. Não toca. Isabel dorme então exausta um sono inquieto que só ela pode saber.

DENISE

Denise sempre dominou a arte do convencimento, gostava de se expressar, nas rodas de amigos era ouvida com interesse por todos. Tinha um verdadeiro charme com a sua inteligente oratória-falante-sobre-qualquer-assunto. Apesar de ter vinte e oito anos, se relacionava com pessoas na faixa dos quarenta. Ouvia deles que ela era muito madura para a idade que tinha, e, nunca tiveram qualquer diferença com ela devido a esta discrepância etária. Já havia algum tempo saía com Henriqueta que a amava intensa e cegamente. As duas tinham uns quinze anos de diferença de idade e isto não importava a nenhuma das duas. Denise reluzia ao falar perante Henriqueta que sorvia cada palavra como um bálsamo dos deuses. Mesmo com as muitas noites saindo em turma, devido à insistência de Denise, Henriqueta se sentia orgulhosa por aquela mulher lhe ser tão lindamente linda. Mesmo cansada seguia Denise. Afinal, era apaixonada por ela e declarava isto em público toda vez que lhe aprazia, a despeito da outra se sentir desconfortável e, em casa, lhe explicar que não gostava de manifestações exacerbadas de carinho em público. Denise convidava Henriqueta mais por costume, inconscientemente. Não entendia por que fazia isso, mas quando se tocava, já estavam as duas com a turma na noite. Bebia. Fumava. Falava. Desencantava com a primeira manifestação apaixonada da outra. Com o tempo, Denise diminuiu a fala. Saía. Balbuciava pouco. Bebia. Fumava. Decepcionava-se com as mesmas palavras de paixão declamadas por Henriqueta. Começou a sair menos e ficou triste sem conhecer o motivo. Ela, que sempre era a alegria de todos, passou a ser alguém introvertida e até um pouco tímida. Henriqueta não. Acompanhava a sua musa em qualquer situação até ficar em casa sem fazer nada, só com a companhia da TV. Denise acabou seu namoro e retornou a ser como era antes, com o passar do tempo, e não entendeu muito bem os porquês de tudo aquilo ter acontecido.

ISABEL E DENISE

Você só gosta de quem não lhe dá valor, Isabel ouve isto pela enésima vez de mais um amigo. Pro caralho todos vocês, ninguém sabe o que se passa em minha cabeça, nem mesmo eu, esbraveja. E, após ter amargado meses no apartamento sem sair para se divertir, naquela noite resolve aceitar o convite para ir a uma festa de aniversário de um amigo-de-uma-amiga-de-seu-primo. Veste-se, despretensiosa, com o primeiro vestido indiano que encontra no armário, um par de brincos de pena de ave amazônica com o selo do Ibama, coisas de ecologista. Sem batom ou qualquer outro artifício, e, com uma lavanda de sândalo, chega ao apartamento da festa. Afinal retorna dos defuntos, comentam os amigos mais próximos. Quem é aquela mulher exótica, indagam os mais novos integrantes da mesma turma. E logo cai no uísque sem gelo, “cowboy”, é a bebida preferida de Marcela, suspira. No apartamento estilo regional-afro-nordestino-novo-riche, toca If you were mine de Billie Holiday quando Denise chega com uma roupa de couro preta “dress to kill”, maquiagem pesada, cabelo no gel e um par de brincos de ouro branco com esmeraldas. Cumprimenta o aniversariante e, sem cerimônia, senta à mesma mesa de Isabel, afinal tinham amigos em comum. Denise não tarda a falar que Marte está mais próximo da Terra, que este fenômeno alteraria todos os arianos, signo solar regido por aquele planeta, e que se vê a “olho nu” como um ponto crescido avermelhado no céu e, que este mesmo acontecimento ocorrerá somente daqui a setenta e cinco mil anos... Envereda pelo papo de reencarnação, de que poderia vir a ser uma ariana dentro de setenta e cinco mil anos e ver este fato novamente. Uma amiga a interrompe por pedir desculpas da falta de educação e apresenta Denise a Isabel, que já estava na terceira dose. As duas se cumprimentam e relembram que já haviam sido apresentadas em outra ocasião e divertem-se ao recordar que, àquela noite, Denise tinha bebido demais e falado que a festa estava muito chata, pois todos lá eram metidos a intelectualóides-pequeno-burgueses e que não agüentava aquela verborragia. Isabel tinha tido a mesma percepção, mas estava comedida e resignada aguardando o momento ideal para deixar a festa, quando ouviu Denise falar aquilo, riu consigo mesma. Conversaram sobre tudo, zodíaco, filosofia, política, religião, futebol, relacionamentos amorosos... Ao fim da festa ainda estavam empolgadas com os uísques e a boa conversa. Acabam no apartamento de Isabel. Bebem. Fumam. Beijam. Trepam. Começam a sair. Não demora e Denise se apaixona por Isabel, que repete para Denise ir de leve pois tinham se conhecido agora e não queria estragar algo que poderia vir a ser muito legal. Denise se aquieta por uns dias, mas retorna a se declarar apaixonada. Diz que é muita sorte delas terem se encontrado já que ninguém quer nada sério hoje em dia... Isabel freia a outra por não ter a mesma intensidade de sentimento e que isto poderia vir a ser um problema. Assim, mesmo com uma vontade louca de se ver, Isabel rompe com Denise que passa a ter conflitos com seu telefone “Sony”...

AS MUSAS

Numa conversa com o seu irmão, ao telefone, Henriqueta passeia por entre as nuances psicológicas dos seres humanos. Seu irmão diz que as pessoas têm que sofrer por amor, do contrário não existiria poesia. Henriqueta reflete e fala acerca de que não existem musas universais e sim que uma musa só existe quando há um observador sensibilizado, logo, a musa só existe dentro do próprio observador. Seu irmão concorda e acrescenta que, talvez, não haja um encontro entre duas musas, uma admirando exatamente a outra, ao mesmo tempo, no mesmo espaço e que caso isto viesse a acontecer, utopicamente, as duas afortunadas teriam um amor ideal, encontro este que deveria ocorrer a cada setenta e cinco mil anos... A campainha de Henriqueta interrompe a conversa dos dois e ela atende a porta. Era Marcela que havia errado de endereço.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Elementos


Água, água, água!
Maré de letras transbordantes
Batem no cais da percepção
Retornam ao profundo abissal.

Ar, ar, ar!
Ventania de bandeirantes
Ventila dentro numa explosão
Inequívoco úbere fatal.

Terra, terra, terra!
Pá de qualquer dantes
Partículas da imensidão
Corte no veio carnal.

Fogo, fogo, fogo!
Lambe selos deslizantes
Irradia a ira da iluminação
Capacidade atenta ao tal.

Misturas de elementos
Nasce o ser natural
Sem a pele morta e talentos.

Viver em carne viva letal
Construído em sublimes pensamentos
Destruído da sorte brutal.

Cristiano Melo, 26 de Abril de 2009

domingo, 26 de abril de 2009

Sentimento e Fantasia

A fragilidade do ser cria quimeras fáceis
Sonhos que acalentam o solitário ser
Ensimesmado na segurança do cobertor
Escaldado, marinado, assado e cozido!

Encontrar alguém que aparece com anéis
Confunde e encanta o alvorecer
Sentimentos precisam de tempo ou vem a dor
Ou se lançar sem chão ao desconhecido.

Da fantasia que se mostra gentil
A costumeira dificuldade em acreditar
Transformar em realidade sem apego
Acuidade intuitiva juramentada.

Sofrimento gerado pela excitação
Emoções misturadas no cerne do sentimento
Labaredas sólidas que exalam paixão.

Consumar estático o comprometimento
De querer, desejo e imaginação.
Precisa-se para um alicerce vislumbrar qualquer cimento.


Cristiano Melo, 26 de Abril de 2009.

sábado, 25 de abril de 2009

Paraíso X Inferno

Ingenua ou romanticamente fantasiado,
O turismo pode servir para colher frutos
Podres e suculentos,
Apetitosos e mofados!

Paraíso na terra, quem não já procurou?
Sair de sua aldeia, castelo de cristal
E se aventurar em brancas areias de praia
Dir-se-ia que não seria aventura alguma.

Informações manipuladas sobre a realidade
Do dito paraíso, podem lhe levar ao inferno

Não que exista propriamente os dois,
Talvez uma metáfora diabólica e angelical,
Mas da calma brisa pungente
Podes acordar falecido com a boca cheia de areia.

Não há quem responsabilizar empreitadas
Aventuras da comunicação turística alegre
Que lhe leva ao inferno dantesco
E a uma morte iminente

Talvez sim, a falta de informação,
Onde se vende a imagem de paraíso
E se esconde os números de estupros
E assassinatos a turistas estrangeiros.

Não sei se sobrevivi ao meu inferno
Depois do paraíso!

Carrego máculas na alma
E a impressão de que paraísos não existem
E que o inferno é quase real.
Ambos externos e internos.

Talvez seja alienante...
Alienado cuidar do seu castelo de vidro.

E nele permanecer até a próxima rachadura
Da pedra advinda de querubins errantes
Psicóticos, drogados e assassinos
Que buscam o seu interior, seu exterior.

Fuja!
Fique!

Qual escolha for, sobreviva!
Paraíso e Inferno existem aqui e agora
No mundo real.

Faça suas escolhas com sabedoria!
Ou da própria sorte
Dentes extraídos como o mais puro marfim
Da boca alegre que sorria!

Cristiano Melo, 25 de Abril de 2009.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Afetos Virtuais


O afeto na rede globalizada
É de rapidez lancinante
Em pouco tempo são feitas e destruídas amizades
Amores insossos com sabores variados.

Paqueras em livrarias, cafés e aeroportos,
Bilhetes de telefone e troca de olhares
São cada vez mais trocados,
Pelas interações em comunidades virtuais.

É a nova geração em comunicação,
Os de outra época tentam acompanhar
Muitos conseguem, outros nem tanto
Mas a ansiedade é a mesma para todos.

Estórias de sorte, meio a miséria emocional
De seres que não saberiam falar no mundo real
Existem e são contadas e encontradas
Quase uma loteria, alguns dizem.

Pode-se discorrer sobre o assunto, discutir, ponderar
Mas é fato, o modo de interagir mudou
E quem tiver olho na terra de cegos
Pode ver algo incômodo, mas sem retorno.

Adaptar-se talvez seja o que há de necessário
Para se viver melhor nessa nova maneira
De troca de afeto, e de comunicar
Que ainda se consiga Amar!

Cristiano Melo, 23 de Abril de 2009.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Pessimismo


Café, barbitúricos, cachaça e nada me abate ao sono,
Farofa, frango frito, costela assada,
Nada preenche o buraco na barriga.
E as olheiras criam um ser disforme no espelho.

O mundo em alta velocidade consome voraz
Quem não consegue acompanhar se frustra
Estamos em meio a uma revolução
De redes, interatividade e comunicação.

O ser humano é desta monta capaz?
De focar em si e não em bruta fruta?

Sinto-me perdido, atordoado, dormindo acordado
A mudança radical de informação
Não me deixa confortável nem atento
São dispersões e mais dispersões...

Saudades do meu tempo de criança
Ao brincar com meus primos
Na fazenda da bisa, sem telefones
Ou outro meio de comunicação

Apenas o burburinho das brincadeiras de roda
De pega-pega, esconde-esconde, conversas
Diretas, não virtuais, reais e com afeto
Talvez eu seja mesmo um pessimista.

Estraçalho o peito
O coração ainda está lá.
Mas não encontro mais minha alma
Que fugiu de mim para além píncaros.

Cristiano Melo, 21 de Abril de 2009.

domingo, 19 de abril de 2009

Vulnerabilidade

Desconcertante a percepção da vulnerabilidade,
Encontrar-se com alguém de um presente parado,
Que desperta síncopes de virilidade,
Inspirações no ser mundano, desenraizado.

Quisera embalar controlável a razão
Que teimosa corrobora, inconsequente,
A estranha descrente sensação
De ainda poder sonhar, delinquente!

Diferentes mundos, tão próximos...
Universos paralelos, tangenciáveis,
Entorpecidos na reciprocidade da íris.

A já costumeira e frustrante verborragia
Salta alegre por meio de incontidas palavras.
Unge em óleo sagrado a vulnerável alma macia,
Desconfiado em meio às inevitáveis prosas.

Beijar após décadas de encontros e desencontros...
Olhar estrábico que procura o outro,
Abraço que faz pulsar de pronto.

Mais uma quimera?
Um sonho a virar pesadelo?
Entregar-se para o vazio?
Quem sabe da possibilidade?

Vulnerabilidade!

19 de Abril de 2009.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Ser inadequado


Talvez eu não seja o homem mais adequado,
Não seja adequado ao que você procura.

Talvez eu não seja o que se costuma esperar de alguém,
Ou, seja mesmo inadequado.

Mas não consigo imaginar alguém mais real e humano,
O que tenho a oferecer é simples e ao mesmo tempo complexo.

Simples pelo fato de ser o que é,
Complexo pelo mesmo motivo.

O tesouro que tenho é nada mais que o meu próprio ser,
Já não ofereço mais rosas apenas.

Flores são belas, mas perecem,
E o que tenho é imaterial e imperecível,

Talvez por isto mesmo assuma nuances densas e fortes,
Mas são brilhos apenas, nada além disso, brilho.

Brilho devido ao refletir a luz, caso contrário,
Sem reverberação, é fosco, como diamante bruto.

Talvez eu seja mesmo inadequado!

Cristiano Melo, 25 de Dezembro de 2008.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

O vazio


Há um vazio,
Um buraco
Em todos os conscientes
Seres sencientes
Que sofrem e buscam tapá-lo
Com o que veem pela frente.

Bebida,
Droga,
Companhia,
Outra companhia
E outra...

Quanto mais se busca, mais se afasta
Da realidade do vazio
Mais se encontra nada.

Quanto mais se consolida
Os hábitos de procura
Criam-se vícios sóbrios.

O buraco é próprio,
Nada, nem ninguém, pode preenchê-lo
Só o pobre mancebo

Que deve concebê-lo,
Como seu aliado e amigo
O meu buraco vazio!

Cristiano Melo, 15 de Abril de 2009.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Existir

Existo em relação ao outro,
Universos tangenciados,
Possibilidades de afeto e desafeto,
Mas assim, existo!
Contrário a isto, só a carcaça
Moribunda de dentes arregaçados!
Pensamentos de cupim e piolho
Nada existe, ou tudo inexiste...

Existo em rede, não em ponto!
Existir se mostra uma insistência,
Experiência, um big bang diário.
Meditar em silêncio e existir
Também é possível,
Mas até aí há a interação:
Intenção de existir e inexistir...

Existo quando as estrelas insensíveis
Brilham indiferentes na sua Natureza!
E a mim, um simples humano,
Cabe a escolha da amarga sina
Existir ou inexistir,
Entregar-me ao vazio inócuo de mim
Ou viver na existência fatídica
Da fantasiosa realidade humana!

Cristiano Melo, 13 de Abril de 2009.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Brasis

País de distintos contrastes
Ora discreto, ora exasperante
Diferenças advindas da colônia
Consolidadas por relações de poder.

A mistura de raças
De religiões, culturas e economia
Cria-se o que se chama brasileiro
Do solitário ao coletivo formigueiro.

Das raças, as multicores
Das religiões, o sincretismo
Das culturas, uma bagunça
Da economia, um abismo.

Terras continentais a perder de vista
Conhecer o Brasil é tarefa difícil

O pouco que se pode, desvela brasis
Vários povos em um, utopia servil!

Se o povo é brasileiro
As diferenças denunciam o plural
Insistem na mídia: povo feliz e faceiro

Quando das normas vigentes e a moral
Surgirá alguém que grite:
Não somos uma nação!
Quem sabe uma população?!
Não!

Somos diversos brasis
Com aceitações servis
Do hino nacional: “...amor febril...”

Febre, cegueira e pasmaceira
O Brasil é Brasis.


Cristiano Melo, 28 de março de 2009.

Roda de Homens

No bar a espera do trampo
Estórias contadas em elevado tom,
Dir-se-ia uma disputa do grito mais alto
A fala do falo!

Conversas que de tão extraordinárias,
Parecer-se-ia verdade manipulada
Para ao outro ser mais engraçada
Nova disputa de falas!

Mulheres que ateiam fogo a casa por ciúmes,
Preservativos rompidos e grito da turba:
- Vai ter de casar, nego!
Vizinho que bebe e fala besteira e sai nu
Jogo de futebol, lá se acirra a disputa da fala!

Xingamentos trocados com carinho
Enquanto o relógio não limita a prosa
Roda de conversa animada,
Sem rimas, cantada e falada!

Cristiano Melo, 28 de Março de 2009.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Uma Estória Real

Fui furtado, durante um sequestro sem armas,
Sofri abusos de várias maneiras, enquanto tinha dinheiro.
O limite de meu saque eletrônico e o que tinha em bagagem,
Foi a minha soltura, após dez horas, sem arma aparente.

O que se falava e se mostrava era o que me mantinha,
Grávidas fumando crack, mulheres chorando de medo,
Homens violentos, ameaças verbais,
Um inferno dantesco e eu paralisado, sendo furtado.

Talvez nunca entenda os motivos que me deixaram ficar preso,
Talvez eu quisesse pagar o bilhete para ver o inferno,
Ou simplesmente ser plateia de teatro tão bem encenado
Que pessoas com um pouco de culpa, se deixam ser levados.

Eu fui conduzido por uma morena, ao inferno na terra,
Tive de pagar para sair, não para entrar,
Tive de me aguentar e sorrir, para não apanhar
Assistir à barbárie humana,

E eu que pensava que tinha dias difíceis,
Hoje olho para minhas cicatrizes na pele...
O que se poderia fazer diferente?
Como se pode ajudar àquelas pessoas no inferno?

Síndrome de Estocolmo?
Ou sentimento de culpa pela vida que levo
E que tentaram levar, e não deixei?!
Fui furtado, sequestrado, abusado, mas solto.

E, as marcas de tudo isto, carregarei em silêncio
Com uma pergunta muito simples:
Por que?
(silêncio dos não inocentes)


Cristiano Melo, 03 de Abril de 2009.
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