domingo, 10 de outubro de 2010

Naquela Noite

Ontem puxaram meu pé enquanto dormia. Não consegui mexer um músculo, devido ao sono pesado e àquela pizza inteira devorada antes de deitar. Mas a puxada, que já passava a me tirar da minha posição na cama, ficava cada vez mais forte, junto com o latido do cachorro do vizinho. Meu estômago, abarrotado de calabresas, balançava o suco ácido em suas paredes, como num navio fechado sem janelas em meio a uma tormenta.

Pararam de me sacudir e agora eram lambidas, sim lambiam o meu pé. Engraçado perceber que era lambido de verdade, e que não era um sonho, sem conseguir acordar, engraçado e estranho, pois algo começava a aumentar de volume no meu abdômen. Gases formados com os balanços ensaiavam jatos de vômitos, junto a uma vã tentativa do esfíncter estomacal de barrar o gêiser em ebulição.

Acordei vomitando pedaços de pizza misturados ao azedo do suco gástrico. Por pouco não engasgava ali mesmo, sozinho no apartamento, mais uma manchete de jornal em uns dias, quando a empregada abrisse a porta e encontrasse o corpo inchado em cima de vômito seco.

Passei a mão na boca melada, e o nojo da situação trouxe mais jatos de agonia. Acho que se havia passado uma eternidade, do acordar ao parar de vomitar, mas ainda era noite, nada de eterno ali, a não ser a dor no alto da barriga que parecia se tornar perene, quando consigo olhar ao redor da cama, tudo em seu lugar, envolto no escuro da noite encandeada pela iluminação pública que entrava pela fresta da persiana vomitada. Nada.

Meio gente, meio bicho, meio zumbi, procurei pelo interruptor na parede, e não encontrava, apenas consegui tropeçar no criado-mudo ao lado da cama e escorregar no viscoso chão vomitado. Voltei a dormir, desmaiado. Ao cabo de um tempo indeterminado, pois a situação se tornara mais que estranha, as puxadas no pé, passaram para as mãos e as lambidas para o rosto.

Não pensava mais em nada além de querer acordar e me levantar para entender quem ou o que estava ali comigo, além do vômito e minha dor, que passara da barriga para a cabeça, junto a um fio fino de sangue que escorria do corte na altura da glabela.

Tentei acordar, ontem, quando minha cachorra intuitivamente me puxou com mordidas, devido ao barulho que eu emitia no começo da noite. Procurei não dormir, enquanto as lambidas dela tentavam me animar, mas já era tarde. E, quando a empregada abriu a porta, cinco dias depois, o cheiro forte que incomodava os vizinhos foi detectado com o meu corpo ali, inchado em cima de líquidos secos, e minha cadela que continuava ao meu lado a me lamber. 


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