quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Carta de Janeiro

Eu com meus pais: Dutra e Ciada - Julho de 2010


Para este escritor, nada mais caótico do que uma carta. Isto em termos de escrita, forma, tempos verbais e etc.
Publico esta carta, ficcional mas um tanto real, para pensarmos sobre como os e-mails alteraram a maneira de escrever algo que já era caótico, e, além disso, nos trazer um pouco de nostalgia, quando nosso meio de comunicação à distância, além do telefone, que era para poucos, era a CARTA:
Com vocês, minha


CARTA DE JANEIRO:

Brasília, 19 de Janeiro de 1999


Pai e Mãe,


            Tenho pensado muito em tudo o que eu estou vivendo e o que já foi vivido, acho que isto acontece mais profunda e constantemente com quem mora sozinho, e eu chego sempre a algumas conclusões, mas elas somem logo, necessitando de novas reflexões para se chegar às conclusões que havia chegado antes e, assim, fico preso numa espécie de ciclo que não tem fim.

            Vocês devem se perguntar: "mas onde é que o Cris quer chegar com este papo todo?" Na verdade nem sei ao certo onde quero chegar, mas é fato que senti necessidade de escrever para vocês, uma vontade muito forte. Diria até que desde sempre eu tenho esta vontade, mas que por motivos alheios à vontade acabava por não escrever. Hoje aconteceu de me pegar em frente ao computador e o pensamento: “por que não escrever para eles agora?” E aí acabei por escrever esta carta, por isto!

            Sabe, ultimamente eu tenho pensado em convívios. Acho que sempre vou poder voltar para Fortaleza num futuro mais distante, voltar a conviver com vocês de novo, como já acontecera no passado, mas me vem à cabeça que nós não somos mais tão jovens assim e que, se eu deixar muito para depois, o tempo faz com que as coisas mudem muito, e eu não tenho convivido nos seus cotidianos, não tenho participado do dia-a-dia e tudo o mais. Isto tem me assustado!

Quem dera os espíritas estivessem certos e nós pudéssemos retornar. Mas e aí? Só na outra vida poderíamos curti-la juntos? Por que não agora? Depois pode já ter perdido muito, entendem? Não é nada fácil viver por aqui há milhares de quilômetros de minhas raízes, e falo isto não para vocês terem dó e ficarem tristes com isto, falo por necessidade de expressão, queria que vocês soubessem disto!

Sinto muita falta o ano todo, e, sempre que vou aí é tão pouco o tempo, que fica um pouco chato ir e voltar, para sentir novamente que estou deixando vocês, ainda não me acostumei e acho que nunca me acostumarei. Não quer dizer também que eu queira largar tudo e voltar para aí, não se trata disto, é como eu expliquei no começo, eu rumino muito as ideias, e isto leva muito tempo. Só tenho medo por estar sentindo que este tempo necessário é muito caro e ele não retorna, vocês estão compreendendo? Muitos não compreenderiam, achariam muito tedioso ler estas palavras tão enroladas, tão cheias de círculos... Mas sei que vocês também têm isto, gostar de refletir em círculos, e fico um pouco mais tranquilo, por acreditar que lerão até o final sem correr, bem devagar, bebendo um pouco as palavras que estão registradas nesta folha de papel. De qualquer modo, já devo ter divagado demais.

 Agradeço o presente, pois o defumador de ambiente é uma gracinha, ele tem uns furinhos por onde a fumaça sai e fica muito charmoso à noite, por soltar uma luz tremulante e indireta.


Depois escrevo mais, estou com muitas saudades.


Seu filho

Cris



Um comentário:

  1. Eu simplesmente adoro escrever e ler cartas, Cris. Continuo trocando cartas por e-mail com alguns amigos. Você leu "carta para nydia" que Lalo Arias me escreveu? Foi em resposta a uma carta que rescrevi a ele em resposta a uma outra que ele me escreveu. :) ESta sua me emocionou. beijo grande!

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